A maioria das pessoas, com certeza, conhece ou já ouviu falar da palavra “rumba” como um termo sempre associado à cultura cubana e caribenha em geral. Poucas, entretanto, saberiam definir o seu real significado ou as diferentes formas com que é empregada.
Em primeiro lugar, e para criar a primeira confusão, temos uma variação da música e dança flamencas, chamada rumba flamenca, que apesar de influenciada pela rumba cubana tem muito pouca relação com esta. Existe também uma forma muito popular na dança esportiva ou ballroom dance, rotulada de rumba, com ritmo lento e compassado, similar ao bolero. As orquestras e dançarinos de mambo também são frequentemente definidos como “rumberos”, assim como aconteceu com o chachacha. Mesmo em Cuba, o termo rumba também sempre foi utilizado para designar diversão coletiva, com sentido geral de grupo, de reunião e muito utilizado atualmente como sinônimo de festa.
A partir dos anos 30, com o grande sucesso alcançado pelos ritmos cubanos, especialmente na mídia norte-americana, o termo rumba se tornou muito popular, sendo utilizado para designar toda e qualquer manifestação artística, musical ou de dança, relacionada à cultura cubana ou latina, em geral. Até mesmo Carmem Miranda foi, muitas vezes, categorizada como “rumbera”. A necessidade de se rotular aquele gênero de música e dança que englobava várias formas e estilos diferentes, fez com que a mídia adotasse o termo ao se referir aos vários ritmos cubanos como son, guaracha, mambo e chachacha, entre outros. Na dança esportiva, por exemplo, o que se conhece como rumba nada mais é do que a reprodução do danzon, a primeira e mais antiga dança de par da América, também rotulada inicialmente pela mídia como rumba.
A imagem comercial que se criou em torno do termo “rumba”, incluindo as figuras estereotipadas de cantores e dançarinos com vestimentas extravagantes e coloridas, em nada corresponde à realidade desse ritmo e dessa intensa manifestação artística, social e cultural tão emblemática do povo cubano.
A palavra vem da Espanha e era utilizada para se referir as prostitutas, mulheres da chamada “vida alegre” (mulheres de rumbo). O termo foi empregado em Cuba para qualificar tudo o que era considerado vulgar, como no caso das festas improvisadas pelo povo.
Surgida das danças sagradas oferecidas aos orixás e convertida em dança social – utilizada para comemorações em festas familiares, cerimônias e até no dia-a-dia do povo cubano -, a verdadeira rumba é, sem dúvida, uma das mais importantes manifestações artísticas e culturais de todo o Caribe, envolvendo não só a dança, mas também a música, o canto e, muitas vezes, até a religião.
Inspirada nas primeiras danças afro-cubanas, a rumba tem em suas raízes os antecedentes da cultura africana e dos diferentes grupos étnicos trazidos da África, com suas expressões culturais, artísticas e religiosas. Os escravos, vindos da região onde, hoje, se situam os países de Angola, República do Congo, República Democrática do Congo e Moçambique (Bantus), introduziram as primeiras manifestações de dança que se podem considerar como antecedentes da rumba. Entre elas, a “La Yuka”, dança interpretada em casal, em que os dançarinos imitam movimentos dos animais, principalmente galos, num ritual de fertilidade erótica em que se representa o cortejo com a finalidade de se consumar o ato sexual. Era acompanhada por tambores chamados da mesma forma (tambores yuka). A dança Yuka é o antecedente africano do Yambu, a forma de rumba mais antiga que se conhece.
Também sofreu influência da cultura dos Iorubás (etnia que deu origem à santeria, principal religião de cuba), assim como acontece com o candomblé no Brasil, onde cada santo tem sua dança específica, cujos movimentos são relacionados ao seu caráter. Oxóssi, por exemplo, o deus da caça, tem sua dança rica em gestos de caça; Iemanjá, a deusa do mar, possui movimentos vivos e ondulados como as ondas do mar, algumas vezes calmas e outras tempestuosas; Xangô, deus do raio, do fogo e da virilidade, tem movimentos que buscam enfatizar sua prepotência com evocações puras de erotismo e sexualidade.
Entretanto, a rumba, a despeito de suas raízes africanas, é uma dança genuinamente cubana, nascida em Cuba, à partir da associação das diferentes etnias (yorubas, mandingas, congos, carabalís e bantús), que, como escravos, foram misturados nas plantações provocando novas associações culturais entre as próprias comunidades africanas, criando assim uma cultura totalmente nova e diferente de suas raízes originais.
Abaixo apresento um pouco sobre as três formas mais populares de rumba: yambu, guaguancó e columbia.
YAMBU
O yambu é a forma de rumba mais antiga que se conhece. Nasceu com a chegada dos primeiros negros livres às cidades. É, portanto, uma expressão do folclore urbano. Diferencia-se das outras formas de rumba por suas características de ritmo mais lento, com movimentos suaves, que simbolizam antigos ritos sexuais, uma representação dançada da relação amorosa. É também um canto à fecundidade. Os pares encenam um diálogo amoroso onde o homem, com movimentos suaves que dissimulam suas intenções, tenta conquistar ou possuir simbolicamente a mulher. Não existe a lascívia ou a sexualidade de uma forma muito explícita e durante a dança não se executa o gesto típico de possessão por parte do homem, chamado “vacunao”. Por isso a frase clássica “En el yambu no se vacuna”. É o precursor da forma mais popular de rumba, o guaguancó.
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GUAGUANCÓ
Nasce nos bairros suburbanos de Cuba, em Havana e Matanzas, tendo como antecedente o yambu, assimilando também elementos da columbia (outra forma da rumba). Musicalmente, é mais vivo, dinâmico e rápido do que seu antecessor, o yambu. Seus cantos falam geralmente de aspectos do cotidiano, amorosos, políticos ou sociais, como uma espécie de crônica da vida popular do homem do povo. Sua dança é rica em conteúdo erótico e sexual, conduzida por um casal que executa um constante jogo de aproximação e afastamento, atração e repulsão, com o homem perseguindo a mulher tentando possuí-la. A mulher realiza movimentos com os ombros, quadris e pés, enquanto se “cobre”, protegendo seu sexo com as mãos, um lenço ou a ponta da saia, enquanto o homem a cerca, tentando num momento de distração possuí-la , ou “vacunala” , através de movimentos pélvicos de possessão (que também podem ser simbolizados através de movimentos das mãos ou dos pés). É importante ressaltar que essa dança não carrega em si nenhuma atitude de conotação pecaminosa ou vulgar, motivo pelo qual sofreu grande preconceito durante muito tempo. Sob a ótica das culturas africanas de onde se originou, o sexo é um elemento importante, vital e natural da vida, da sociedade e do ser humano. O grande valor dessa forma de rumba consiste justamente no fato de evitar a grosseria e a vulgaridade sem eliminar a força vital de um fato natural e tão importante da vida.
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COLUMBIA
A Columbia é uma forma de rumba de caráter rural, surgida e praticada principalmente na região de Matanzas. Seus cantos nem sempre utilizam o idioma espanhol, empregando costumeiramente palavras, frases e expressões de origem africanas (bantu). Nas suas origens era dançada tradicionalmente por homens, e assim chegou até os dias de hoje, embora haja relatos de também ter sido praticada por mulheres. Com postura normalmente erguida e elegante, seus movimentos e passos demonstram habilidade, destreza e criatividade por parte do dançarino, incluindo o uso figuras acrobáticas e outros recursos. Geralmente reproduz a destreza e habilidade de um guerreiro. Seu antecedente religioso era a expressão ritual frente à presença do inimigo. Com seu ritmo rápido e muito sincopado, obriga o solista de dança à uma agilidade e domínio corporal absolutos.
A verdadeira rumba é isso. Não só uma das expressões artísticas mais legítimas do povo cubano, mas um dos traços mais fortes do caráter e da forma de ser dessa nação tão singular. A rumba não é uma simples herança musical ou cultural. É uma legítima expressão da forma de ser do cubano e de todos os caribenhos. Está na raiz, no caule, no tronco, nos galhos, nas folhas e no sangue de toda a música e dança de origem caribenha produzida em todo o mundo.
Imagens : Ramos Collection, Boogalu Production
Fotos : Sven Creutzmann, One Voice Music e divulgação
(Ricardo Garcia – originalmente publicado no portal Dança em Pauta )