Considerada por muitos como a forma mais exuberante de se dançar salsa a Rueda de Casino, também chamada Salsa Rueda, tem uma história interessante e pitoresca no Brasil. Ela já foi um grande sucesso entre os dançarinos e amantes, não só da salsa, como das danças de par em geral, mas caiu no esquecimento e desinteresse da maioria. Agora, ela ressurge revigorada, amadurecida e muito mais forte!
A Rueda de Casino é a forma coletiva de se dançar o “casino”, estilo cubano de salsa, e sua principal característica é a presença de vários casais dançando simultaneamente, em círculo, comandados por um líder, e trocando constantemente de par. Suas origens remetem aos chamados “ballets da corte“, como o minueto e as contradanças da corte do rei Luís XIV, na França, principalmente uma variante do minueto chamada “quadrille”, forma de dança coletiva executada sempre por quatro casais, que é também a origem da nossa “quadrilha caipira”.
Pouca gente sabe, mas a Rueda foi trazida ao Brasil pelo professor e coreógrafo Jomar Mesquita, da Mimulus Cia. de Dança, de Belo Horizonte-MG. Logo que surgiu, fez enorme sucesso e despertou o interesse de muita gente, se tornando muito popular entre dançarinos, escolas de dança e público em geral, que viam naquele estilo “revolucionário” uma nova forma de experimentar a dança de par. A dança coletiva, a troca constante de casais, os passos criativos, as brincadeiras (juegos) e até as figuras mais elaboradas, aliados à empolgante vibração da salsa, faziam daquela nova forma de dançar algo extremamente prazeroso para quem assistia ou participava.
A partir de 2000, ela passou a ser praticada nos bailes e casas noturnas pela Cia. Conexión Caribe, de São Paulo, e, logo depois, pelo grupo Máfia do Casino, do Rio de Janeiro. Ambos foram os grandes divulgadores da Rueda no Brasil, apresentando este estilo em todas as suas coreografias, além de ensinar e estimular muitos alunos e praticantes em várias aulas e workshops pelo país.
Muitos professores e dançarinos seguiram essa iniciativa e adotaram a dança nas suas aulas, coreografias e bailes, sendo comum, na época, vermos grandes grupos, de diferentes escolas ou regiões, dançando juntos e se divertindo com a Rueda, que passou a ter também um importante papel na integração social, assim como no estímulo para que novas pessoas se interessassem por dançar.
Com o passar do tempo, no entanto, o interesse geral foi diminuindo, as aulas foram se tornando raras e, nos últimos anos, quase não se via mais a Rueda nos salões de baile ou nas coreografias de dança. A pergunta que se faz é: se fez tanto sucesso, se tinha tantas qualidades, se era tão cultuada, se trazia tantos benefícios, por que motivo caiu no esquecimento e no desinteresse da maioria?
Para responder a essa questão, é preciso ir um pouco mais a fundo nas questões que envolvem os sentimentos e interesses de grande parte dos professores e profissionais de dança, especialmente em nosso país. Alguns diziam que a Rueda não era uma dança bem-vinda nos salões, porque ocupava espaço demais na pista, atrapalhando os que não participavam e preferiam dançar em casal, mesmo que ela acontecesse em momentos eventuais do baile, o que é mais comum. Outros que era uma forma ultrapassada de salsa, ou ainda, uma espécie de “panela” formada entre pequenos grupos. O fato de ter evoluído e agregado novos passos e figuras mais complexas, pode também ter contribuído para que a dança perdesse aos poucos sua característica de integração, uma vez que, cada vez mais, se tornava difícil conhecer todo o repertório de movimentos novos, muitos, inclusive, inventados por alguns professores.
Um ponto muito importante, porém, para a compreensão deste processo de “ascensão e queda” da Rueda de Casino no Brasil, passa por uma questão delicada e pouco assumida pela maioria dos professores e dançarinos: a vaidade.
A dança é expressão, é prazer, mas é também vaidade, ainda mais entre os profissionais, justamente os formadores de opinião. A busca, muitas vezes exagerada, pela atenção, o esforço por sobressair-se e as necessidades do ego, tornam-se incompatíveis com a prática de uma forma de dança que valoriza o coletivo em detrimento do indivíduo, que estimula a união e harmonia, ao invés do destaque. A Rueda é diversão, é lazer puro! Mas, para muitos, infelizmente, nem sempre dançar tem esses mesmos significados.
Entretanto, felizmente, existem os que buscam exatamente isso, o sentido maior que a dança pode ter e os benefícios que ela pode trazer para as pessoas e para a sociedade, e não apenas para si próprio. Temos professores, alunos, praticantes e até curiosos, que sabem que existe um sentido maior em compartilhar, em integrar, em socializar-se. Que percebem que a dança pode acrescentar algo que há muito tempo vem sendo cada vez mais difícil na nossa sociedade: a harmonia e a cooperação entre os indivíduos.
A Rueda de Casino é a antítese da disputa, do campeonato, do destaque, do sobressair-se perante os outros. Ela é símbolo da integração, da harmonia, do prazer mútuo e coletivo. Se numa dança até errar faz parte do contexto e da diversão, como pode alguém não ser feliz?
Numa cultura que valoriza cada vez mais o individualismo e a competição, essa forma de dança, além do prazer intrínseco que proporciona, representa uma oportunidade valiosa de resgate dos valores humanos mais importantes. A dança, seus profissionais (principalmente os formadores de opinião), e todos aqueles que a praticam, deveriam olhar mais para a importância desses aspectos. E mesmo aqueles mais preocupados com os interesses comerciais que ela representa, deveriam abrir os olhos e entender que a Rueda, além do que já foi exposto, pode também ser uma importante e eficaz ferramenta para atrair novos adeptos, novos alunos e novos clientes, talvez, mais até do que as performances exibicionistas de muitos casais.
Portanto, você que está lendo este artigo, na próxima vez que ouvir um “Dame Una”, um “Dile Que No” ou um “Arriba!”, não se furte à experiência de participar de uma Rueda de Casino. Se nenhuma das razões expostas acima forem suficientes, resta ainda uma, incontestável e incomparável: a garantia certa e inquestionável de inúmeras e divertidas risadas!
- Abaixo, você confere o documentário “Conexão Caribe”, que fala sobre a Rueda e a história de latinos que vivem em São Paulo e se identificam através da paixão pela salsa. Este curta metragem de Fernanda Elmôr, foi ganhador do Prêmio Estímulo 2001, concedido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
(Ricardo Garcia – originalmente publicado no portal Dança em Pauta )