Apesar de sua grande popularidade, é muito comum dançarinos ou aficionados por ritmos caribenhos em geral, terem dificuldade de entender e identificar exatamente o que vem a ser o mambo e como caracterizar, ou diferenciar, este gênero do que hoje chamamos salsa. Digo “hoje”, porque apesar de se referir a um tipo de música e dança surgido na década de 30, foi somente no final dos anos 60 e início dos anos 70 que o termo salsa passou a ser usado para se referir a esse estilo.
Mas afinal, o que é mambo? Seria apenas outro termo pelo qual a salsa é identificada ou são diferentes?
Para estas perguntas, é famosa a resposta de Tito Puente – um dos maiores compositores e músicos latinos da história, falecido em 2000, considerado o “Rei do Mambo” – em uma entrevista sobre o termo “salsa” (“molho” ou “tempero”, em espanhol):
“Salsa (molho) não é um termo musical. Salsa (molho) se come. Molho de espagueti, molho picante. Salsa não se escuta, não se dança, mas chamam a música que tocamos por muitos anos de salsa. A música que fazemos é mambo, chachachá, son, etc”.
E acrescenta:
“Salsa é um termo comercial usado desde o final dos anos sessenta, para definir o gênero musical resultante de uma síntese de influências musicais africanas, porto-riquenhas, venezuelanas, cubanas, jamaicanas, brasileiras, dominicanas e colombianas com outros elementos de música caribenha, música latino-americana e jazz, em especial o jazz afro-cubano e o jazz brasileiro. A salsa foi desenvolvida por músicos de origem caribenha (cubanos e porto-riquenhos) no Caribe e na cidade de Nova York. A salsa abrange vários estilos como a salsa dura, a salsa romântica e a timba”.
Johnny Pacheco, músico, arranjador e produtor, fundador da mais famosa orquestra de salsa da história, a Fânia All-Stars, explica sobre a origem do termo:
“A salsa é e sempre tem sido a música cubana. O que acontece é que misturamos a influência de Nova York à música cubana. Os arranjos eram um pouco mais agressivos. O nome salsa surgiu porque começamos a viajar por toda a Europa e países como Japão e outros da África, onde não se falava o espanhol, então, para não confundir as pessoas com o que era um guaguanco, uma guaracha, ou son montuno, agrupamos toda a música tropical sob um mesmo “teto” e a chamamos salsa. Além disso, os integrantes da orquestra (Fânia) eram de diferentes nacionalidades, e para fazer um “molho” era necessário uma série de “temperos”. Então, já que havia diferentes temperos, isso nos ajudou a definir como salsa a música que vínhamos tocando no mundo inteiro”.
Com base nestas declarações, poderíamos então concluir que salsa, como gênero musical, ou mesmo estilo de dança, sequer existe? Calma lá. A coisa não é tão simples assim. Para entendermos melhor, é preciso, primeiro, “separarmos” a música da dança e entender, em separado, cada um dos processos que as originaram e culminaram nas formas que conhecemos hoje.
A Música
É verdade que, inicialmente, “salsa” foi um termo empregado para se referir a uma série de ritmos cubanos, com influências latinas diversas. Mas também é verdade que, hoje, dentro desse universo, ou do “teto” a que se referiu Johnny Pacheco, temos ramificações e variações daquilo que foi inicialmente nomeado dessa forma: salsa clássica, salsa romântica, salsa dura (além de son, timba, songo, latin jazz, mambo, entre outras). Portanto, se inicialmente o termo era apenas uma definição comercial para nomear diversos ritmos, hoje é legítimo dizer que ele se fortaleceu, ramificou, ganhou novas influências musicais e culturais, e se consolidou como gênero musical reconhecido internacionalmente.
Mas e o mambo, nosso ponto de partida para esse artigo, como entendê-lo e identificá-lo nesse contexto?
O leitor mais atento já deve ter percebido e tirado suas próprias conclusões: mambo é um dos gêneros musicais que inicialmente foi agrupado junto a outros e identificado como salsa. Ou seja, quando nos referimos ao mambo, estamos falando de um ritmo específico, com suas próprias características e particularidades que o definem como tal. Ele é uma evolução do danzón cubano, música geralmente rápida e animada, predominantemente instrumental. Possui estilo de composição e arranjo com o emprego de orquestra e naipes de metais, além de percussão típica cubana, com clave, congas, bongô, timbales, etc. E mais do que isso: é o mais famoso e popular de todos os ritmos que compõem esse universo.
A Dança
Se a música precisou de um rótulo para identificar ao mundo os diferentes estilos cubanos agrupados, com relação à dança, a história foi um pouco diferente. A dança, ou as danças, apesar de também sofrerem influências diversas, não se misturavam ou se transformavam com a mesma velocidade. Ao contrário, mantinham através dos anos a sua identidade e suas particularidades. Foi somente muito tempo depois da música que a dança veio a se tornar também um produto a ser comercializado. Desta forma, enquanto o que se tocava e se ouvia, era salsa, o que se dançava, durante muito tempo, era mesmo son, rumba, casino e mambo, principalmente.
Somente com a grande popularidade e consolidação internacional do ritmo salsa é que o termo passou a ser também utilizado para se referir a forma de dançar que conhecemos atualmente, que na verdade é uma mistura de todas as danças citadas.
Respondendo então à pergunta inicial deste artigo, podemos dizer: mambo (dança) é uma das formas possíveis de se dançar salsa. Também conhecida pelo que se convencionou chamar de “salsa em linha”. E tem como principal característica o fato de ser dançado no “tempo 2”, ou “no contratempo” (on 2), privilegiando a marcação dos passos e movimentos no ritmo, mais do que da melodia (embora também possa ser dançado no “tempo 1” – na melodia).
As outras formas de dança principais seriam o casino (de característica circular, também chamado “salsa cubana”), o son (forma mais tradicional e antiga, cubana) além da rumba e shines (geralmente nos momentos de improviso do casal).
Resumindo podemos concluir que quando nos referimos a mambo, estamos falando de uma forma específica de salsa, com suas características próprias e específicas que a identificam, tanto na música quanto na dança. Mambo é sempre salsa. Mesmo que salsa não seja sempre mambo.
E depois de separarmos música e dança pra explicar, nada melhor do que finalizar mostrando o resultado da união destas duas artes neste vídeo de Tito Puente apresentando a canção Mambo Gozon.
(Ricardo Garcia – originalmente publicado no portal Dança em Pauta )