Dois pedaços de madeira cilíndricos, com no máximo 5 cm de diâmetro e 20 cm de comprimento cada, cujo som, alto e agudo, é produzido percutindo-se um contra o outro. Estamos falando da Clave, talvez o mais simples e rudimentar dos instrumentos musicais já inventados pelo homem. É também um dos mais importantes e revolucionários, cuja utilização transformou a história da música e dança em todo o Caribe.

Surgida nos portos de Havana, a Clave, termo que vem do latim clavis, que significa “chave”, e também pode ser traduzido como “signo” ou “código” em espanhol, não é só o nome que se dá ao instrumento, mas também ao padrão rítmico que ele produz, e que orienta e guia todos os outros instrumentos, inclusive a voz, numa orquestra de música latina. Padrão esse que, pelas suas características singulares que abordaremos aqui, se converteu na verdadeira essência da salsa e de toda a música afro-cubana.

Os povos de origem africana trouxeram para a América um elemento novo e muito importante à música que se produzia aqui, predominantemente de origem “branca” ou europeia: a sincopa ou síncope. Muito utilizada nas formas e estruturas da música dos povos da África, pode ser definida como a execução de um som em um tempo fraco, ou parte fraca de tempo, de um compasso ou marcação musical, criando um deslocamento da acentuação rítmica.

Diferente da maioria das outras músicas populares, que tem em sua base uma célula rítmica constante, a Clave, como instrumento percussivo condutor da música afro-cubana, explora os contrastes entre marcações regulares e sincopadas, alternadamente, a cada compasso musical de uma música, criando assim um padrão rítmico assimétrico entre um compasso e outro, fazendo com que um seja acompanhado de três batidas e outro de duas, alternadamente. É a famosa onomatopeia “cá-cá-cá”-“ca-cá”.

Essa alternância constante, que se repete a cada dois compassos, cria na música uma sensação permanente de “pergunta e resposta”, exatamente como nas invocações de chamado e resposta de praticamente todas as cerimônias e ritos religiosos de origem africana.

Existem basicamente três tipos de clave: Clave de Son, Clave de Rumba e a chamada Clave de Seis por Oito. Em todos os casos é composta por duas partes, uma formada por dois golpes e a outra por três golpes. Quando a primeira parte é composta por três golpes e a segunda por dois dizemos que é uma clave 3×2. Quando é o inverso, a primeira parte dois golpes e a segunda três, dizemos que é uma clave 2×3. (Clique aqui e confira exemplos das claves mais usadas na música cubana)

Sem entrarmos no mérito das questões técnicas que diferem um tipo do outro, o mais importante aqui é ressaltarmos essa característica fundamental de padrão e estilo, que norteia e define não só a música, mas a forma de se dançar e interpretar com qualidade uma salsa, ou qualquer outro ritmo cubano. Seja no formato 3×2 ou 2×3, o fundamental é percebermos que, tanto num caso como no outro, se mantêm o caráter de “pergunta e resposta”, ou “chamado e resposta”. Esse padrão é observado e seguido por todos os instrumentos que compõem a orquestra, incluindo a voz, criando dessa forma uma sensação constante, não só de assimetria rítmica e melódica, como também de tensão e repouso, excitação e relaxamento, ascensão e declínio, entre um compasso e outro, como opostos que se complementam o tempo todo na música. Uma espécie de positivo e negativo, ou Yin-yang.

Se analisarmos com um pouco de cuidado alguns dos passos e movimentos principais que compõem o repertório de figuras da salsa, percebemos que todos eles são compostos de oito tempos, o que corresponde a dois compassos musicais, uma vez que cada compasso musical de salsa é formado por quatro tempos (4×4). Isso significa que cada um dos passos de dança abrange dois compassos de música. O mesmo ocorre com a marcação da clave. Cada marcação completa da clave, com “chamado e resposta”, seja ela 3×2 ou 2×3, ocupa também dois compassos de música.

Indo um pouco mais a fundo, percebemos também que cada um dos passos, sejam eles básicos, de giros, figuras ou caminhadas, são sempre compostos de duas partes distintas: a primeira de preparação (o “chamado”) e a segunda de execução (a “resposta”). Para qualquer pessoa que tenha feito alguma aula de dança isso é facilmente perceptível na própria forma universal de se “contar” os passos: “1-2-3” (preparação), “5-6-7” (execução). Desta forma, é fundamental àqueles que buscam dançar e interpretar com qualidade e propriedade este ritmo, levar em conta estes conceitos e características. Mais do que isso, se guiar por eles, procurando em cada música este elemento e, assim como fazem todos os instrumentos e músicos, estar em sintonia com essa sonoridade e com essa energia.

A Clave não só cria uma maneira diferente e especial de se fazer música, mas uma nova forma de senti-la, experimentá-la e interpretá-la. É a força ancestral que uniu brancos e negros, europeus e africanos, para criar um novo conceito de música, dança, sentimento e expressão.

O son cubano, produto da fusão das músicas espanhola e africana na América, surge com o emprego da clave na música cubana. Sua evolução para a salsa, como a conhecemos hoje, é o resultado direto desse processo. A intensidade, força, vibração e vida que essa música carrega, têm na batida da clave, sua principal razão de ser.

Costumo dizer que os salseros são uma espécie de “iniciados”. Os que já ouviram “o chamado” sabem disso. Os que não ouviram, prestem atenção à próxima vez que ouvirem uma clave soando…

Pinturas: Jorge Dans e Will Caldwell

Ouça aqui a música “Sin clave no hay son”, interpretada pela Rainha da Salsa, Célia Cruz.

(Ricardo Garcia – originalmente publicado no portal Dança em Pauta )

 

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